CLAUDIA ANDUJAR. MINHA VIDA EM DOIS MUNDOS
EDUARDO BRANDÃO
Curador
Claudine, Claudia, Napëyoma. Os nomes de Claudia Andujar revelam os trânsitos e os percursos inusitados dessa mulher extraordinária, uma das principais artistas do nosso tempo. Nascida Claudine Haas, em 1931, em Neuchâtel, Suíça, filha de mãe suíça e pai húngaro, teve a infância duramente marcada pelo nazismo. Muito cedo, viu sua família paterna, judia, ser enviada aos campos de concentração e extermínio. Vivendo com a mãe por um tempo, conseguiu fugir da Europa e passou a morar com um tio em Nova York, EUA, onde estudou, começou a atuar como artista e casou-se com um refugiado da guerra civil espanhola, assumindo o nome de Claudia Andujar.
Chegou ao Brasil, país em que sua mãe já vivia, em 1955 e naturalizou-se brasileira em 1976. Sem falar português na época – mas dominando o húngaro, o alemão, o francês e o inglês –, ela começa a fotografar o Brasil como uma forma de se comunicar e de conhecer o país. Passou a trabalhar para diversas revistas brasileiras e norte-americanas, fazendo grandes reportagens que exigiam uma imersão no Brasil profundo, para além de documentar a vida nas grandes metrópoles. Nesse período, a fotografia circulava mais em revistas impressas, distribuídas amplamente, do que em museus e galerias de arte que, àquela altura, estavam apenas iniciando suas coleções nessa linguagem. Claudia participa intensamente desse movimento de incorporação da fotografia aos acervos brasileiros, dando aulas no MASP e realizando, ali, diversas exposições nas quais o experimentalismo da técnica fotográfica foi bastante explorado, ao lado do caráter humanista das imagens que produzia, sempre atenta às subjetividades socialmente marcadas.
Em 1971, depois de já ter conhecido diversos grupos indígenas pelo Brasil, Andujar entrou em contato com os Yanomami, povo que vive no extremo norte do Brasil, na fronteira com a Venezuela. Estabeleceu com eles um vínculo de afeto e militância que marcou sua vida e a desses indígenas. Fotografando sua cultura, seus rituais e dia a dia, Napëyoma, como Andujar é chamada pelos Yanomami, é figura central para muitas conquistas políticas desse povo, além de construir um legado único, em imagens, de sua cultura. Davi Kopenawa, xamã e principal figura pública Yanomami, com quem Claudia viajou pelo mundo em busca de apoio para a causa indígena, disse certa vez que a alma de Claudia pegou a sua no colo, tal como uma mãe faz com um filho, construindo uma imagem belíssima desse vínculo de afeto e reconhecimento mútuo.
Nesta primeira exposição retrospectiva de Claudia Andujar na Pinacoteca do Ceará, foram reunidos seus principais conjuntos de obras. Ao percorrer a mostra, podemos ver a coragem de uma mulher que, ainda na década de 1970, em plena Ditadura Militar, fez longas viagens pelo Brasil, comprometida em mostrar como vivem as pessoas, retratando diferentes paisagens e formas de vida, denunciando desigualdades sociais. Ao lado dessa coragem e do compromisso social de Andujar, sua prática é marcada por um intenso experimentalismo de linguagem que, ao longo do tempo e da convivência com os Yanomami, foi instigado e ampliado, chegando em propostas estéticas extremamente inovadoras. As fotos feitas em suas inúmeras viagens ao território da Amazônia foram intensamente retrabalhadas em seu estúdio em São Paulo. Numa época em que a manipulação digital das imagens não era regra, ela revelava as fotos, fazia sobreposições com os negativos, refotografava fotos já ampliadas sobre papel e explorava características de diferentes filmes.
O título da exposição “Claudia Andujar. Minha vida em dois mundos” reforça sua atuação em diferentes territórios, campos de conhecimento e práticas sociais e culturais. Vivendo entre o mundo da arte e da política, dos meios de comunicação de massa e da arte rigorosamente experimental, da cidade grande e da floresta, da Europa, onde nasceu e passou sua infância, e da América, onde passou boa parte da vida, Claudia Andujar constroi uma obra inescapável para compreender e repensar a forma como nos relacionamos com a natureza, com a cultura, com o Outro.
A exposição é realizada pela Pinacoteca do Ceará e pela Rede Pública de Espaços e Equipamentos Culturais do Estado do Ceará (RECE). Tem apoio do Fotofestival SOLAR.
O CURADOR
Eduardo Brandão é sócio-proprietário da Galeria Vermelho, em São Paulo, fundada em 2002. Brandão foi professor de fotografia no curso de Artes Plásticas da EAV Parque Lage, RJ, de 1989 a 1992, e da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), de 1995 a 2007. De 1991 a 2004, trabalhou como editor de fotografia e diretor de arte das revistas do jornal de maior circulação do Brasil, Folha de S. Paulo, e estudou em diversas instituições, incluindo o Brooks Institute of Photography em Santa Barbara, CA. Como curador, idealizou exposições como “Iconógrafos” (1991), no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo); “Horizonte Reflexivo” (1998), no Centro Cultural Light, em São Paulo; “Sob Medida” (1999), no Espaço Porto Seguro de Fotografia; “Imagética” (2003), no MUMA (Museu Metropolitano de Arte de Curitiba); “Histórias de mapas, piratas e tesouros” (2010), no Itaú Cultural, em São Paulo; “Marcados Para” (2011), de Claudia Andujar, no Centro da Cultura Judaica, em São Paulo, entre outras.